quinta-feira, 11 de outubro de 2007

A importância de se chamar Ernesto



























Um toc toc, na imagem, permite a leitura do artigo, da L´Express de 27.9.2007.


O analista do Le Monde, em questões geoestratégicas, Gérard Chaliand, escreve sobre a morte de Che Guevara, 40 anos atrás e os seus envolvimentos contextuais.

El Che, Ernesto de nome próprio, queria exportar revoluções, criando vários Vietnames. Na Bolívia, onde soçobrou, aplicou a teoria do foco, ou seja, a estratégia militar de armar uns tantos milicianos da revolução e da acção prática de guerrilha circundante, sem grandes preocupações ideológicas ou de formação política, procurando atingir o poder central, inimigo principal. Tal como em Cuba, Ernesto, tentou as montanhas, a propaganda pela acção e as emboscadas e foi apanhado numa.

Escrever sobre as tácticas e estratégias políticas do Comandante, parece algo despiciendo nos tempos que correm, em que o mito deo Che, já tem longo curso.

Quem escreve sobre estas efemérides, deveria talvez fazê-lo com um mínimo de cuidado histórico, de aproximação ao real vivido na época e contextualizado no lugar.

Enfatizar um lado romântico e heróico do Che, esquecendo toda a parafernália ideológica que o suportava e, principalmente, olvidando os métodos de guerrilha e de operação militar como máquina de matar opositores, é contribuir para o mito que matou em nome de ideias erradas, tácticas erradas e justificações políticas erradas.

Enfim, compreender o Che, aceitando a essência da sua acção, é contemporizar com o terror. Porque de terror se trata e é sobre isso que ultimamente se tem escrito, ao ficarem apurados actos concretos, decisões concretas e opções políticas e tácticas concretas.

Uma das passagens exemplares do texto publicado recentemente na revista L´Express e já citado, dá-nos toda a dimensão do problema .

Um dos entrevistados pela revista é Sergio Garcia, irmão do preso político, Rafael Garcia, de 26 anos, polícia em Havana, nos tempos de Batista.
Foi preso e acusado, de ter participado no assassinato de um membro do partido de Fidel. E por isso foi condenado à morte. Pelos vistos, o julgamento foi sumário demais e as prova de menos.
Perante a iminência da execução, a família, remexe tudo para encontrar provas da inocência do desgraçado. E encontra-as, indo esperançosa, mostrá-las ao chefe Ernesto, El CHE, fazendo-lhe ver o erro judiciário que se evidencia e as consequências para a jovem mulher que ficaria viúva. Nada feito. El comandante, responde assim ao irmão que agora conta a história: "o seu irmão talvez esteja inocente, mas andava com o uniforme errado. Por isso tem de morrer."

Era este o humanismo do herói popular, agora celebrado. E o morto, deixou uma carta que dizia assim:

" Meu amor adorado, esta é a última carta da minha vida. Os nossos quatro meses de casamento foram os mais belos do mundo. Estou orgulhoso da minha família. Amo-te até á loucura. A única coisa que me penaliza é que morro inocente."

A diferença entre esta declaração de amor e a do El Comandante, é muito simples de entender: EL Che,ao contrário do polícia, sabia muito bem que não estava inocente, porque tinha as mãos tintas de sangue. Revolucionário e que se limpa por si mesmo.

O que estes singelos episódios mostram- e há muitos mais, -é um perfil de guerrilheiro, de puro terrorista, em que as regras de humanidade básica, já nem subsistem, porque não se está nessa dimensão. Romantizar este tipo de personalidade, atribuindo-lhe qualidades políticas e de Homem condutor de homens, é perigoso, porque santifica o diabo, diabolizando os inimigos em nome de cuja derrota tudo fica a valer. Vale tudo, para se atingir o fim da Revolução e tudo se justifica e desculpabiliza para se andar por essa via. “A revolução consome os seus filhos”, é um eufemismo para os horrores mais trágicos. Os exemplos, aos milhares, daquilo que aconteceu em todos os processos revolucionários, nunca serve de emenda para quem aceita estes termos de justificação.

É esta mesma lógica que contemporiza e aceita o projecto global de umas FP 25 de Abril; o projecto da Lotta Continua, em Itália ou as acções do Baader Meinhoff, na Alemanha, e aceita como herói um outro boliviano: Carlos, o Chacal. Este aliás, como os outros, tinha como herói, precisamente o Ernesto. O Che.

Tal como este, Carlos portou-se sempre como um assassino. Frio, calculista e sem escrúpulos. Quem o disse, não foi a propaganda judaica. Foram os inúmeros factos, a começar pelo assassínio de dois polícias, para fugir à prisão, em França.

Nestes dias, foi dado conhecimento que um padre argentino, Cristian Von Wernich, capelão das prisões políticas de Videla, foi condenado em prisão perpétua, por factos praticados nas prisões, entre 1976 e 1983, anos de chumbo argentinos.

Videla, à semelhança de Pinochet, não tem, aliás, qualquer espécie de perdão político ou contextualização ideológica, ao contrário daqueles. Porém, a lógica de guerra civil é a mesma.

No que ao capelão se refere, os factos são imensamente mais suaves do que os factos conhecidos, atribuídos ao Ernesto, na altura em que este comandava a principal prisão de presos políticos em Cuba, La Cabaña. Ainda assim, foi julgado como o assassino que terá sido, por deixar morrer culpados de terem opinião contrária aos ditadores do momento.

El Che, pelo contrário, tem direito a posters, tee-shirts e encómios das forças políticas de esquerda.

E isso, é um problema.

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